Países e regiões colonizadas no passado - como Índia, África, América do Sul e Leste Europeu - são hoje maiores fornecedores; número de padres estrangeiros em solo europeu multiplicou por seis nos últimos 5 anos
No interior de um vale da Suíça, no vilarejo de Disentis, a tradicional população alpina que vai à missa aos domingos se deparou há poucos meses com uma novidade: um padre indiano. Deficitária de religiosos, a Europa passou a "importar" padres para suas paróquias, num dos sinais mais claros da queda da influência da Igreja no Velho Continente.
Dados obtidos pelo Estado no Vaticano revelam a situação dramática do catolicismo na Europa. Entre 1985 e 2005, houve uma redução de 11% no número de padres no continente e, não por acaso, o próprio cardeal Joseph Ratzinger, ao ser eleito papa em 2005, disse que retomar o cristianismo na Europa era prioridade.
Se há 400 anos o Velho Continente era o epicentro de missões religiosas para os quatro cantos do mundo, a tendência hoje é exatamente a contrária. Nas cidades suíças de Chur e Basileia, metade das igrejas já é comandada por estrangeiros, principalmente da Índia, África, América do Sul e do Leste Europeu.
Na lista dos sacerdotes estrangeiros preferidos, os brasileiros estão no topo - resultado do perfil flexível, acolhedor e diplomático. "Numa Europa secular, um padre acolhedor e que saiba ouvir ajuda muito a conter a evasão de fiéis e até a atrair aqueles que tinham deixado a fé", explica o padre Ney de Souza, doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.
Souza morou por seis anos na Itália e explica que, nos últimos anos, viu crescer o número de brasileiros por lá. "Antes, os padres missionários iam para a África. Agora, têm ido para a Europa."
A transferência de um padre para outro país depende de um acordo entre bispos. "O bispo europeu é que pede ao brasileiro que envie ajuda daqui", explica o padre José Arnaldo Juliano, capelão do Mosteiro da Luz de São Paulo. "O Brasil também não tem sacerdote sobrando, mas sempre se dá um jeitinho."
Juliano morou por seis anos na Itália. "E, sempre quando volto, o bispo me pergunta se não quero voltar a viver lá", brinca.
Os números da carência de sacerdotes impressionam. Na Itália, o contingente de padres caiu de 41 mil há 25 anos para 33 mil hoje. Em Portugal, os sacerdotes estrangeiros também já são realidade. Para o responsável do patriarcado de Lisboa, Delmar Barreiros, "qualquer diocese na Europa tem necessidade de clero, porque a falta de vocações tem sido grande".
Foco. Na Espanha, um dos centros do catolicismo, já são mais de 500 padres estrangeiros comandando paróquias em todo o país. Só em Madri seriam cerca de cem. Segundo a Conferencia Episcopal Espanhola (CEE), a taxa de estrangeiros em algumas dioceses já chega a 20% do efetivo clerical. A conta do Vaticano é relativamente simples: a Espanha tem 22,6 mil paróquias. Mas apenas 18 mil sacerdotes. Na prática, 4 mil igrejas no país não tem um padre próprio.
O que mais preocupa é que apenas 200 religiosos são registrados como padres a cada ano, o que não seria suficiente para substituir uma geração que está prestes a se aposentar. Hoje, na Espanha, a idade média de um sacerdote é de 64 anos. Em uma década, o número de seminaristas caiu em 40%.
Na França, a situação não é diferente. São 1,3 mil padres estrangeiros espalhados pelo país, 12% do total de sacerdotes franceses. Em locais rurais da França, não é raro ver um padre negro da República Democrática do Congo.
Hoje, apenas 10% da população que se diz católica na França vai, de fato, à missa. Num país de 60 milhões de pessoas, 40% negam qualquer religião.
Portanto, se a população da França aumentou em um terço desde 1945, o número absoluto de padres católicos caiu em dois terços nesse período. Por ano, menos de 130 novos padres são ordenados. Não por acaso, os números do Vaticano mostram que o número de estrangeiros aumentou em seis vezes nos últimos cinco anos.
Em 2012, a República Tcheca fez um apelo a dioceses de todo o mundo, convidando padres para se mudarem para o país e ajudar a manter as igrejas locais, muitas delas vazias.
Se hoje muitos no Vaticano admitem que a importação de padres tem ajudado, essa nem sempre foi a avaliação da Igreja. Em 2001, um informe preparado pelo cardeal esloveno Jozef Tomko alertou que a transferência de padres do Hemisfério Sul para a Europa teria uma séria consequência para o avanço do catolicismo nos países em desenvolvimento.
Fonte: Estadão
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